domingo, 15 de março de 2009

Ayres Britto ratifica cassação de Jackson



Presidente do TSE justifica seu voto favorável à perda do mandato do pedetista por abuso de poder econômico

O Estado publica nesta página os argumentos do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Ayres Britto, favoráveis à cassação do mandato do governador Jackson Lago e seu vice, Luiz Carlos Porto (PPS), por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2006. Transcreve também os votos dos ministros do TSE pela posse da segunda colocada na disputa, a senadora Roseana Sarney (PMDB), e seu vice, João Alberto Sousa (PMDB), no comando do estado.

Carlos Ayres Britto - Senhores, eu entendo que no Maranhão o que houve foi o seguinte: o governador Reinaldo Tavares tinha toda a legitimidade para, em torno de si, montar um aparato, um esquema, um grupo de correligionários para combater determinada candidatura tida por ele e pelo grupo como representativa de uma oligarquia que perdurava por quatro décadas.

Essa agregação de forças seria legítima se fosse feita a partir das idéias do governador, do histórico de vida, do seu histórico de luta, da sua particularizada visão de concepção do governo, de prática do governo. Mas, pelo que li e reli, ouvi atentamente as sustentações orais, mais uma vez o relatório do ministro Eros Grau, cada um dos fundamentados – e muito bem fundamentados – votos de V. Exª, eu cheguei à conclusão de que esse fator de agregação se deu a partir do uso da máquina administrativa, de uma estrutura de governo. E encontrei essa motivação em diversas passagens do processo e não preciso senão de uma leitura que foi colhida da mídia, ainda há pouco exibida pelo eminente relator.

Disse o governador: “O nosso candidato a governador do Estado ano que vem vem para ganhar as eleições. Seja quem for, seja quem for, seja quem for, eu tenho certeza que terá o apoio da população do Maranhão e estrutura do governo. Pela primeira vez eles vão ter o Governo do Estado contra a Assembléia”.

Não é uma passagem isolada; ela se repete. Então eu acho que o princípio constitucional da impessoalidade, que é expressão eminente do princípio republicano, figura no § 1º do art. 37 da Constituição, foi vulnerado, foi violado.

E quando alguém se predispõe, no poder, a usar a estrutura do poder, mais do que o seu prestígio, seu histórico de vida, a sua biografia, a serviço de uma candidatura, os desmandos, as fraudes, os desvios, os abusos sobrevêm como que naturalmente, por gravidade.

E se já é reprovável violar o princípio da impessoalidade, confundindo, portanto, a máquina administrativa com sua pessoa no âmbito da administração pública lato senso, na esfera eleitoral é mais grave ainda, porque esse ferimento, essa violação do princípio da impessoalidade contamina a pureza do processo eleitoral e conspurca a vontade do eleitor e redunda nisso, se não em conduta vedada por efeito da inadequação do meio processual de que se valeu a recorrente, a autora do recurso contra expedição de diploma, se não caracterizou conduta vedada, mas sem dúvida que a prestimosidade do meio processual se dá quanto aos fundamentos do abuso do poder político, da captação ilícita de sufrágio e, para quem defende essa tese, abuso do poder econômico. Não é o meu caso.

A imprensa tem dito que nesses casos, tomando por referência, por paradigma o julgamento de Cássio Cunha Lima, há pouco realizado por este tribunal, a imprensa tem dito que o TSE devia se limitar a cassar o mandato quando fosse o caso – já estou avançando uma segunda discussão que será atrasada –, mas em convocar o segundo colocado, porque isso interfere na vontade... conspurca a vontade soberana do eleitor e altera o resultado da urna. Mas é preciso ver as coisas do ângulo das duas partes. Se, do ângulo de quem ganha, uma decisão como estamos a tomar, pela cassação do diploma e, por conseqüência, do mandato, traduz uma usurpação, uma violência, do ângulo de quem perde, porque fica em segundo lugar, é diferente. Quem tira segundo lugar na eleição há de dizer: eu que tirei primeiro lugar! O verdadeiro vencedor fui eu, porque não usei de meios ilícitos, não violei, não saí do esquadro da Constituição e da legalidade. Então, o meu mandato me está sendo devolvido. Depende do ângulo em que as pessoas se colocam.

Eu li também um artigo da Folha que foi citado hoje: “Democracia ou Desrespeito ao Voto”. Um artigo muito bem feito, mas eu o tenho, a partir do título, como um falso antagonismo. Aqui se diz que nós julgamos quem propõe a ação e não julgamos aquele que comparece como réu, no caso, o recorrido. Mas acontece que nós só podemos julgar cada caso de uma vez, de uma só vez. O que nos está sendo submetido a julgamento é uma acusação contra um dos candidatos. É esse candidato acusado que está sendo julgado; o acusador não está sendo, porque o momento não é esse.

Quer dizer, o que nos cabe é velar pela normalidade e legitimidade do processo eleitoral. É isso que nos cabe. E, quando detectamos, como estamos a detectar, abuso de poder, captação ilícita de sufrágio, que, no caso, redundou no uso incomum, a ponto de caracterizar abuso, de celebração de convênios, transferências de recursos, realização de inauguração de obras com presença de candidatos se estabelece aquele vínculo de que falei no início da minha intervenção: a predisposição para usar a máquina administrativa sob a lógica pragmática do vale-tudo, dessa coisa horrorosa que se diz: o feio em política é perder ou para os inimigos a lei, para os amigos tudo, a conseqüência é essa, é perder o mandato. E a Justiça Eleitoral não faz senão cumprir o seu papel de velar – palavras da Constituição – pela normalidade e legitimidade da eleição.

Aparentemente é uma decisão contra-majoritária à nossa e, portanto, conspurcadora da pureza do princípio democrático, da democracia, que tem por princípio ativo, por elemento conceitual a majoritariedade.

Acontece que a Constituição não se contenta com a majoritariedade. No limite, quando se confrontam, quando se antagonizam majoritariedade e legitimidade, a Constituição opta pela legitimidade. É preciso ganhar legitimamente, sem abusar jamais da máquina administrativa, sem incidir nessa terrível doença institucional do país, que é, sem dúvida, o patrimonialismo, compreendido como indistinção entre o público e o privado.

Eu, portanto, assento o meu voto na linha do voto do eminente relator e também dos votos já proferidos pelo ministro Fischer e pelo ministro Fernando Gonçalves, eu assento o abuso do poder político, sobretudo veiculado por um escancarado uso indevido e, portanto, abuso de transferências de recursos e de celebração de convênios. Celebração de convênios, inclusive, não foi em praça pública só, em palanque. Eu nunca vi isso na minha vida, uma celebração de convênio em palanque. Se isso não caracteriza uma violação frontal ao princípio da impessoalidade, eu não sei mais o que significa impessoalidade.

Eu gosto muito de fazer a minha lição de casa, a lição jurídica de casa e parto do art. 19, inciso III, da Constituição, que é claríssimo: III. é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

E causa espécie, profunda estranheza que se contemplem determinados municípios – houve preferências por determinados municípios, nada menos do que 156 – com a celebração de 805, salvo engano, aliás, 1.805 convênios no ano eleitoral, atingindo a soma de quase R$ 1 bilhão, R$ 800 e poucos milhões.

Então, esse conjunto da obra, esse somatório de fatores, tudo isso me leva a perfilhar o entendimento do relator de que houve, de fato, abuso do poder político, uso personalíssimo da máquina administrativa, para contemplar três candidaturas fundidas em uma. Vale dizer, no Maranhão, não no plano jurídico, mas de fato o primeiro turno... o segundo turno foi antecipado, porque só houve dois blocos. E nós sabemos que o primeiro turno é concebido pela Constituição para abrir o leque de opções do eleitorado, que pode votar em muitos candidatos, cada qual deles encarnando uma peculiaríssima proposta de governo, um modo pessoal, ideológico de conceber e praticar o governo. No Maranhão, o segundo turno foi antecipado, porque três candidaturas se fundiram em uma, embora os partidos fossem diferentes e nenhuma coligação fosse feita formalmente.

Então, por todos os ângulos como vejo o processo eleitoral do Maranhão, eu entendo que a ânsia de derrubar o que se tinha como uma oligarquia levou o grupo de que faz parte o governador Jackson Lago a se desmesurar, a se desmedir no emprego de meios para alcançar o fim último da eleição. E o fato é que não se podem atingir fins lícitos senão por meios igualmente lícitos.

Eu também poderia fazer um voto minudente, detalhando ponto por ponto, mas não vou fazer. Me limito a perfilhar o entendimento do eminente relator, assentando o abuso e proclamo o resultado:

O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as preliminares suscitadas pelos recorridos, pelos litisconsortes passivos, e, no mérito, por maioria, proveu o recurso contra a diplomação de Jackson Kepler Lago e Luiz Carlos Porto, sendo que o relator o fez integralmente.
O ministro Levandoski deu pela captação ilícita de sufrágio, o ministro Fischer, pelo abuso de poder político, assim como o ministro Fernando Gonçalves e, finalmente, o presidente perfilhou idêntico entendimento. Pelo desprovimento do recurso em sua totalidade, votaram os ministros Marcelo Ribeiro e Arnaldo Versiani.

Como vota o ministro Levandoski?
O SR. RICARDO LEVANDOSKI – Sr. Presidente, eu vou acompanhar o eminente relator, mas sem me comprometer com a tese. Eu acompanho o relator, até porque entendo que não deve esta Corte dar saltos em matéria jurisprudencial. Duas semanas atrás, nós adotamos, no caso Cássio Cunha Lima, essa solução e, por ora, acho prudente que nós nos mantenhamos fiéis à jurisprudência da Casa. Então, acompanho o relator com essa ressalva.
Carlos Ayres Britto – Como vota o ministro Felix Fischer?
O SR. FELIX FISCHER – Eu entendo, com a devida vênia, que, em relação aos casos julgados no ano passado, maciçamente foi aplicado o art. 81, § 1º, ainda que com motivação prática, mas se trata de uma interpretação constitucional, com a devida vênia, entendendo que seria aplicação do art. 81, § 1º, e este não trata da possibilidade aventada de passar a não existir a eleição indireta. Este é o meu voto.
Carlos Ayres Britto – Então V. Exª dá pela aplicação do art. 81, § 1º: § 1º. Ocorrendo a vacância dos dois últimos anos no período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
Bem, o Ministro Fernando Gonçalves.
O SR. FERNANDO GONÇALVES – Se nós adotamos uma posição duas semanas atrás, não seria de todo coerente que mudássemos o posicionamento e adotássemos outra hoje. Portanto, eu acompanho o relator.
Carlos Ayres Britto – Acompanha o relator. Como vota o ministro Marcelo Ribeiro?
O SR. MARCELO RIBEIRO – Registrando essas questões que a mim me parecem relevantes, interessantes e que...
Carlos Ayres Britto – São instigantes.
O SR. MARCELO RIBEIRO - ...instigantes, eu estou entendendo, como entendi no caso da Paraíba, que não é necessária a realização de novas eleições.

Carlos Ayres Britto – Como vota o ministro Versiani?
O SR. ARNALDO VERSIANI – Ressalvando o meu ponto de vista, Sr. presidente, eu também acompanho o relator.

Carlos Ayres Britto – Portanto, proclamo o resultado: Nos termos do voto do relator, a Corte decidiu, por unanimidade, vencido o ministro Felix Fischer, pela posse da candidata Roseana Sarney, com o seu vice, ela segunda colocada no pleito de primeiro turno, mas agora, com o recálculo, reconhecidamente proclamada como detentora da maioria dos votos remanescentemente válidos. É a proclamação do resultado.”
(Matéria do Jornal O Estado do Maranhão. 15.03.09)